MarisaSoou Lamah, educadora e grafiteira, vulgo "Lamah", realiza intervenções urbanas nas ruas de SP desde 2008, além de trabalhar com audiovisual e diversas linguagens artísticas
Marisa Cristina de Souza, de 33 anos, educadora e grafiteira, cria da zona leste, vulgo "Lamah", realiza intervenções urbanas nas ruas de SP desde 2008, se tornou Marisa Soou Lamah, quando começou a grafitar. Soou é um enfeite para Souza. "A galera pergunta se é de alma, mas não é (risos), foi apelido de um amigo, acabei gostando e ficou", diz.
Faz parte da rede crew N.E.V (Novo estilo de vida) e compõe a rede "graffiti TODASBR". É Co-fundadora do Projeto Cultural Abayomi Ateliê, produz vestuários e acessórios em sua fabricação e customização, além de atuar como articuladora de eventos sócio-educativos culturais, conexões networking e marketing. Trabalha com audiovisual e diversas linguagens artísticas. Em 2014, foi diretora do documentário "Conexão Lado Leste" e do curta "O Príncipe". Em 2015 foi grafiteira no "Projeto 23 de maio". Participou do painel ao vivo no evento Hip Hop Session na Fábrica de Cultura Jardim Robru. De 2015 a 2018 participou, em parceira com outros ateliês do evento criadoras de moda, nas unidades do Sesc Interlagos e 24 de maio com suas produções pelo Abayomi Ateliê. Em 2019, foi educadora parceira do projeto juventudes pelo Sesc Interlagos
Lamah é seu vulgo das ruas e TAG no grafite, faz uma referência a lama dos mangues, a Chico Science e Nação Zumbi, e as lutas diárias que as periferias tem que travar para sobreviver, "como diz o Mano Brown, "De onde vem os diamantes? Da lama". Ela vê os artistas periféricos como diamantes lapidados, porém com falta de oportunidade, mas diz que renascem, se descobrem diariamente potência, e se viram com o que tem nas mãos, chutando portas fechadas com os dois pés.
Hoje, formada em Artes Visuais, co-fundadora do Coletivo Cultural Abayomi Ateliê, Arte Educadora, Grafiteira, Mc, Ilustradora e caminhando para Designer de estampas (estudando), também tira foto, grava e edita vídeos, faz roupas, costura, escreve projetos culturais, e é mãe de uma menininha maravilhosa de 2 anos, a pequena grande mulher, Maisha. Depois que entendeu o que poderia fazer, começou a ensinar as pessoas, e sua história sempre é contada para que os olhos brilhantes que a olham, entendam que mesmo sem perspectivas tão definidas na vida em um determinado momento, um dia elas chegam, "falo isso quando meus alunos dizem que não sabem desenhar, ou que não conseguem fazer alguma coisa", argumenta.
Marisa não desenhava também, teve ótimos professores, do rolê mesmo, da rua, e diz não desmerecendo a academia, mas lá se aprende mais sobre movimentos históricos das artes e ótimas biografias, embora tenha toda parte prática. Mas prática mesmo, tem com a vivência. Já deu aula na Fundação Casa, em várias unidades da Zona Leste, no CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), fazendo arteterapia, nas unidades do SESC (Itaquera, 24 de maio, Interlagos e Santana), e atualmente é professora de artes da Prefeitura Municipal de SP, para o ensino fundamental.
Grafitti
Quanto tinha 13 anos, sua mãe faleceu e as ruas, o grafite, as artes a resgataram de um poço sem fundo no qual estava caindo, se via perdida, sem rumo, sem foco e sem saber o que era. Desde quando se conectou profundamente com sua veia artística entendeu que artistas nascem com propósitos e quando encontram quais são, tudo fica mais leve. Seu primeiro emprego foi ao 15 anos, em uma clínica de odontologia, era recepcionista, estagiária, depois passou por várias empresas, todas com funções administrativas, back-office, balconista, e por aí vai... Mas, algo ali dentro daqueles escritórios não a completavam, pegava o transporte público todos os dias tentando entender porque queria tanto não ir, escutando a música "Poesia de Concreto" do Kamau.
"Esse som fala sobre as agonias de viver preso em um escritório, e era tudo que eu sentia, mas precisava trabalhar. Quando descobri a arte, ela me salvou, e me disse que eu poderia ser quem eu quisesse ser, mas tinha que lutar muito", explica.
Não se interessou assim do nada, na verdade arte a encontrou, "o graffiti pegou na minha mão e disse, vamos, filha, você pode, você consegue." Com 15 anos, começou a sair, pra rolezinhos, na quebrada mesmo, existiam vários bailes e ela estava ali, começando a conhecer pessoas, artistas, coletivos que já articulavam cultura antes mesmo dela nascer. A vida a aproximou de pessoas, que a aproximaram das artes, e ali e entendeu que poderia quebrar as barreiras das agonias de viver trancada em um escritório, 40 horas por semana, fazendo o que não gostava de fazer. "Não foi fácil, e ainda não é", conclui.
Marisa diz que a música é sua maior inspiração, é como se fosse um motor para suas criações. Chico Science e Nação Zumbi foi sua primeira inspiração, despertou nela um íntimo muito profundo, com as letras e a magia das ideias, e faz parte das suas inspirações até hoje. Quando conheceu Racionais e entendeu a essência da poesia que trata de problemáticas diversas, acendeu uma nova luz e se nutriu de conhecimento, e o graffiti a inseriu no movimento Hip Hop, se apaixonou pelas ideologias dele. Continua inspirada por todo esse passado e, hoje adiciona uma pitada de busca ancestral constante e diária em suas criações.
Em 2017 entrou para o Candomblé, e isso, resgatou das dúvidas sobre sua origem, suas raízes mesmo. Hoje, pinta inspirada nas vitórias da periferia, e não nas suas tristezas ou problemas, pinta inspirada pelos Orisa, e pela essência dos estudos ancestrais. Há 2 anos, foi mãe, e uma das suas maiores inspirações atuais também é a sua filha, "ela é linda, inteligente e extremamente curiosa, me faz desenhar coisas "bonitinhas", animais, bichinhos, e me faz enxergar a arte de maneira mais leve, mais solta, mas desprendida." Ela cria de acordo com a realidade que viaja nos seus mais profundos desejos, pensamentos, e sempre tenta passar uma mensagem, mesmo que subliminar.
A artista quer levar sua arte para o mundo, porque o mundo é referência, as pessoas se conectam com suas realidades, com o que faz sentido para elas. "Várias pessoas podem gostar, e várias podem não gostar das minhas artes, e tá tudo bem, minha missão é propagar mensagens através das artes, sendo elas compreendidas e aceitas, ou não", finaliza. Hoje, faz desde desenhos infantis, até produções mais agressivas, que protestam e transgridem.
O Coletivo Abayomi
Com o Abayomi, também é produtora cultural, porque o coletivo não faz só produção de roupas, mas também articula eventos diversos, desde desfile de moda até exposições de graffiti.
Um Coletivo Cultural, que utiliza a linguagem visual da moda de rua autoral como suporte para fomentar produções e artistas, para transmitir conhecimento e agregar com informação, educar, articular e levar entretenimento e cultura para as periferias. A venda das roupas é consequência das ações que executam, porque a intenção nunca foi só abrir uma loja, pode acontecer um dia, mas nunca foi só comercial.
Querem que as pessoas comprem, mas querem que eles se identifiquem com o que vão vestir. A produções não acompanham obrigatoriamente tendências tradicionais, produzem mediante a estudos e pesquisas sobre as dificuldades enfrentadas no processo de auto afirmação, e na busca por identidades, e assim tentam transportar para o tecido seus sonhos, a autoestima e desejos. A intenção é que as pessoas vistam propósitos e que consigam se comunicar através do que usam.
"Para nós, a roupa fala, e diz muito sobre quem somos, onde estamos e onde queremos chegar. A roupa fala por exemplo a qual grupo pertencemos, que música gostamos, que estilo admiramos, e nossa intenção é que as pessoas vistam sua essência mais profunda, que faça sentido comprar aquilo e que conheçam os nossos objetivos, e nossa missão."
O tecido, é só um alicerce para a construção diária de algo muito maior que vestir uma peça de roupa. A ideia da criação do coletivo surgiu exatamente quando observaram que as roupas de grandes marcas e tendências tradicionais, que trabalham com uma moda linear, fomentando o consumismo abusivo não as contemplavam. Precisavam fazer diferente.
Hoje, ser quem é, para ela é descoberta, é equilíbrio, é mágico, mas, sinceramente tem propriedade pra falar sobre graffiti, tem propriedade pra falar sobre as dificuldade de empreender na periferia, sem estudo, sem formação, e de maneira muito intuitiva, porque foi assim que o seu empreendimento (Abayomi Ateliê) nasceu, de amor, de sonhos, de vontades. Recentemente começaram a estudar mesmo empreendedorismo, porque o mundo está em constante transformação, e precisam acompanhar essas mudanças para se destacarem e darem o melhor aos seus clientes, amigos, seguidores.
Marisa finaliza dizendo que tem muitos sonhos e planos para o futuro, diariamente, a todo minuto. "Minha cabeça borbulha de ideias, tenho vários projetos em andamento, inclusive para o público infantil, algumas consigo colocar em prática mais rápido, outras, eu entendi (aprendi na marra né), depois de muito exercício, que tudo tem seu tempo." Faz cursos, muitos cursos, livres, pagos, grátis, (o que está ao seu alcance no momento), gosta de estudar sobre tudo que faz sentido para sua caminhada, e que possa agregar a ela, porque quer juntar as pitadas de cada conhecimento e jogar num caldeirão.
"Eu anoto tudo, detalhadamente, do jeito que a minha cabeça pensou, e um dia, sei que, se for pra ser, vai ser. Paciência é um treino diário pra mim, quero tudo, e quero agora. mas não quero tudo só pra mim, quero pra nós, para os meus irmãos, e irmãs, minha comunidade, minha família, para meus alunos. Arte não é só desenhar, ou pintar, ou fazer "educação artística" na escola, termo que nem se usa mais. A arte é afago, é ascendência", finaliza.
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