Nascidos na capital paulista, três jovens falam sobre a carreira e experiências no ramo da arte
Mesmo sendo uma das primeiras formas de comunicação humana, nem todas as pessoas desenvolveram a vocação para desenhar. Diferente da maioria, Nathalya Santos, Larissa Estevam e Gabriel Lima, demonstram total aptidão com as artes visuais e esbanjam talento por meio da ilustração. Desde a infância, os artistas já desenvolviam as suas habilidades. Gabriel conta que começou a desenhar por influência de seu irmão. "Uma vez minha mãe teve que ir até à escola do Danillo pra escutar que "Danillo estava desenhando demais e se concentrando pouco nas aulas". Não rolou comigo, mas perdi muita matéria desenhando. Com 12 anos comecei a copiar desenhos da internet. O tumblr era uma ótima fonte de artes para mim, me inspirou e eu comecei apenas reproduzindo arte de outros".
Aos 21 anos, o jovem que nasceu no Jardim Niterói, bairro da zona sul paulistana, e atualmente morando em Barcelona, trabalha com web design (desenvolvimento de layout para sites/aplicativos), motion design, produção visual/musical e customização/produção de roupas. Em 2015, o artista ficou desanimado por não conseguir produzir algo próprio e acabou estacionando. A partir de 2016, decidiu focar apenas na produção de peças de roupas para Urbanana (marca formada junto com seu irmão, Fábio), e a explorar possibilidades de estampas com tipografia, mas pelo fato de usar fontes da internet, também estacionou pelo mesmo motivo anterior.
Em 2019, por influência de amigos artistas, o começou a trabalhar em sua identidade artística e a criar seus próprios rabiscos. "Com o tempo fui me descobrindo e alcançando resultados diferentes e surpreendentes para mim mesmo. Era uma dificuldade sem fim criar algo, e hoje em dia crio um personagem em menos de 5 minutos. Toda a prática e dedicação têm resultado nisso. Então basicamente desenho desde sempre, mas faço o meu desenho apenas desde o começo desse ano que estamos".
Já Nathalya de 21 anos, ou Nazura, como prefere ser chamada, afirma que sempre teve afinidade com a ilustração. "Eu desenho desde que lembro de me perceber no mundo, é algo muito natural pra mim. Eu resolvi seguir com essa arte no inicio de 2017, quando eu sai de um emprego porque a rotina me adoeceu e eu não tinha condições de trabalhar, mas ainda precisava de dinheiro. Acredito que foi ai que eu vi que realmente dava pra ter uma carreira". Atualmente, a jovem residente da zona leste de São Paulo, trabalha com algumas linguagens visuais. "Cinema e quadrinhos são duas áreas que eu mais me debruço, tanto na pesquisa quanto na criação. No momento estou produzindo meu primeiro curta metragem e os processos criativos são absurdamente diferentes", diz.
Dentre os seus trabalhos, Nazura cita que uma série de pinturas que fez a respeito de divindades internas, está entre as suas favoritas. As pinturas falam de um processo interno, de uma ressignificação de figuras negras dentro do mundo e da historia da arte, trata de autoestima, de representações positivas. "Nesse trabalho eu quis fazer um inverso, dentro das representações artísticas que abordam pessoas negras, a visão do outro (geralmente branca e colonial) é o que prevalece, e falar de divindades espirituais negras individuais, é uma potencia que enaltece toda a nossa existência, seja nesse plano ou em outro", relata.
Larissa Estevam, criada no Jardim São Luís, periferia da zona sul paulista, afirma que sempre amou todo tipo de arte. "Eu sempre gostei de desenhar. Quando eu era pequena algumas professoras chegaram a conversar com a minha mãe pra ela me colocar numa escola de desenho, mas é osso né? Nós da periferia ter filho artista... É difícil pensar nisso, já que pra gente tudo é mais difícil, imagina só viver de arte". Na época, Larissa acabou parando de desenhar e começou a fotografar como um hobby. Começou a tirar foto de tudo e recebeu o incentivo de algumas pessoas para começar a trabalhar na área. "Na minha cabeça isso também era impossível, até aparecer os primeiros trabalhos para fazer evento, e com o tempo eu fui encontrando meu caminho na fotografia, tirando foto dos meus amigos e de algumas pessoas da quebrada".
Em suas condições de existência, a artista cita que nunca teve expectativa de viver de arte por pensar que isso não era algo pra ela, principalmente por já ter ouvido de muitas pessoas palavras de desânimo. "Não era me permitido sonhar, mas isso tá mudando. Amigos sendo modelos, cantores, fotógrafos, ilustradores e muito mais. Estamos conquistando nossos espaços e um exemplo disso é o Loyal, que lança vários modelos da quebrada, produtores como a UDG E Deck9. Hoje acredito que podemos fazer o que quisermos mesmo com toda dificuldade", diz.
AS REFERÊNCIAS
Em seu processo criativo, Gabriel procura por referências não só no ramo da ilustração, mas também na música, uma de suas maiores paixões. "Cresci na igreja, e desde os 5 anos de idade toco bateria, o que fez com que eu gerasse um apego muito forte por música. Música é minha vida, e pra mim é impossível viver sem". Ao criar, o jovem sempre pensa na música que vai escutar quando vai produzir, o lugar em que vai estar na hora da produção daquela arte, e se possível, a iluminação do ambiente também lhe influência bastante. Entre suas referências, o jovem comenta que são pessoas habilidosas que estão próximas dele e que também é um grande fã de Tyler, The Creator. "Minha visão hoje e sempre sobre a ilustração é sobre a libertação mental. Com uma caneta, um papel, a capacidade de expressar sentimentos, pensamentos, sensações por meio de traços e rabiscos, é simplesmente sensacional e incrivelmente satisfatório pra mim".
Um pouco diferente de Gabriel, Nazura relata que seu processo criativo é muito individual. "Eu vejo na arte uma necessidade de olhar pra si com sinceridade, e mexer nas gavetas que a gente evita. Então meu processo envolve muito a busca pelo autoconhecimento e pela solitude. Eu aprendi a amar ficar sozinha e respeitar meu tempo de absorver e devolver coisas do mundo, então pra cada obra existe um processo". Alguns de seus trabalhos, a jovem consegue produzir de forma rápida, já outros demoram anos. Como inspiração, Nathalya cita seus amigos, por ver uma questão de contexto, as vivencias e ideias que trocadas, que a tocam de forma muito direta.
Assim como Larissa, Nazura nunca esperou muito do ramo artístico. "O mercado de arte sempre foi muito branco e mantém as mesmas relações de poder. Eu fazia por uma questão de necessidade, pela vontade de criar, pelo prazer que aquilo me provocava, o reconhecimento e a visibilidade que viria posteriormente não podia me fazer perder tudo isso". Hoje, a jovem relata sua felicidade ao ter se encontrado num nicho de artistas e criadores negros que criam pontes e proporcionam oportunidades. "Me manter verdadeira com minha singularidade e com meus pensamentos tem sido o que mais tem me feito ter clareza na construção do meu caminho", afirma.
Já a criatividade de Estevam, oscila conforme o que a artista sente no momento, no que quer transmitir, seja uma frase ou uma foto. Sobre as suas maiores referências, a jovem também faz menção aos seus amigos. "Pessoas que vem da onde eu venho e sabem da dificuldade que passamos. Eu tenho o maior apoio de todos, em especial a equipe da UDG. Sou muito fã de música e a galera do rap como a Drik Barbosa, Emicida, Don L e varios outros, me inspiram demais através das letras". Entre os seus trabalhos, Larissa comenta que em todos ela leva um sentimento único e especial, mas que tem um grande carinho por ter fotografado a quinta edição do desfile Loyal. "Eu ainda tava me descobrindo na fotografia e me senti muito acolhida, além de sentir que todos botavam fé no meu trampo, coisa q não costumava acontecer".
O CORRE
Ao falar sobre as dificuldades em trabalhar com arte na periferia, de forma unânime, os três artistas citam que a falta de credibilidade e recursos financeiros são os maiores empecilhos. "Tem uma galera em volta que gosta do trabalho, quer consumir, mas prefere não pagar caro no produto por talvez conhecer a pessoa que produziu aquilo. Pra alguns fica muito mais fácil pagar em 5x uma jaqueta da Adidas que custa R$499 da qual não se sabe nem qual foi o processo de produção daquilo, do que pagar a metade do preço em uma peça produzida por um artista independente", relata Gabriel.
Larissa comenta que ser levada a sério é um processo complicado e que na periferia ainda parece ser impossível pra algumas pessoas, que ao ver jovens se dizendo artistas se chocam. "Se eu chegar em qualquer espaço elitista e dizer que sou artista, vão me questionar de varias maneiras, o que faz ter outra dificuldade que é ocupar certos espaços. É importante estarmos no centro também e mostrar que existimos e resistimos. Cada vez mais estamos sendo nossas próprias referências, mostrando que tem muita gente boa da ponte pra cá que podemos seguir como exemplo e fazendo nossos próprios eventos, o que nos dá cada vez mais força".
A falta de recursos e as responsabilidades que precisam ser assumidas são grandes obstáculos pra Nazura. A jovem se divide entre trabalho formal, freelancers e projetos pessoais, de domingo a domingo trabalha pra ver seu desenvolvimento, e acredita ser um grande privilegio ter tempo pra se dedicar somente aos seus processos. "O ritmo que eu cresci e o momento que eu existo me atravessam e interferem na minha poética, mas é muito complicado a gente pensar o quanto de coisa a gente não vivencia por falta de perspectivas e referencias, que e é o que falta nas periferias, nossas historias não são contadas por nós, só por aquela vontade sádica do sistema que se delicia em ver nosso sofrimento estereotipado e estigmatizado", afirma.
PROJEÇÕES
Cheia de vontades e objetivos traçados, Nazura comenta sobre o filme Síntese, o qual está produzindo com o Coletivo Morfose (@coletivomorfose), e que aborda sentimentos artísticos. "Foi um dos projetos ganhadores do VAI 2019 e está sendo o que mais estou me dedicando. No futuro eu pretendo fazer minha primeira exposição solo, que ainda está em processo de maturação e construção. Com tudo isso venho entendendo a importância de dar um passo de cada vez", afirma. Estevam revela que está planejando algo muito especial, uma Larissa que nunca viram. "Está aqui dentro e precisa sair! Estou preparando tudo com muito carinho". Já Gabriel afirma que não sabe o que esperar de si no futuro, mas que tem total ciência de que é capaz de muita coisa.
Conheça os artistas e os seus trabalhos: Behance: Nazura
Facebook: Larissa Estevam
Instagram: @artestevxm
Facebook: Gabrieuart
Instagram: @gabrieuart
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